“Maurice”: a jornada da tradução

Maurice, de E.M. Forster, foi publicado na década de 1970, cerca de sessenta anos após ter sido escrito, em 1913. Em 2025, depois de anos esgotada, a obra retorna ao Brasil, agora com tradução de Antonio Farinaci. Roteirista e jornalista de formação, Farinaci também se dedica à tradução literária, unindo precisão e sensibilidade nesta nova versão do texto para o público brasileiro. 

Antonio Farinaci tradução maurice
O escritor João Silvério Trevisan (à esquerda) e Antonio Farinaci (à direita) em evento de lançamento de “Maurice”

 

Ambientado na Inglaterra pré-Primeira Guerra, Maurice acompanha o jovem Maurice Hall em sua trajetória de descobrimento de sua sexualidade, tudo isso em um cenário conservador da sociedade inglesa da época. Com personagens complexos, incluindo Clive Durham — intelectual refreado pelas convenções sociais, e primeiro amor de Maurice — e Alec Scudder — rapaz pertencente à classe trabalhadora —, a obra representa um grande marco para a literatura queer.

Confira a seguir como foi o processo de tradução de Maurice segundo Antonio Farinaci

Uma nova tradução de Maurice

Quais foram os maiores desafios linguísticos e estilísticos ao traduzir Maurice para o português?

Forster é dono de uma prosa muito imagética e às vezes fragmentária. Faz lembrar os cortes da linguagem cinematográfica. Não é de surpreender que tantas obras dele tenham sido adaptadas para o cinema. Na tradução, um dos desafios foi manter essas quebras, sem perder a naturalidade que elas têm na língua original.  

Houve alguma edição anterior que serviu como referência ou contraste?

Tive contato com três traduções de Maurice para o português, duas brasileiras e uma portuguesa, todas com mais de 20 anos. Não li a íntegra de nenhum desses textos, mas cheguei a cotejar algumas passagens. De forma geral, acredito que as ferramentas de pesquisa que existem hoje permitem fazer uma tradução muito mais precisa de termos e contextos que há um tempo atrás podiam passar despercebidos.

Maurice foi escrito em 1913, e se passa em uma Inglaterra que está entrando em sua era georgiana. Como as diferenças culturais e de temporais impactaram seu processo de tradução?  

O contexto histórico do romance — assim como as diferenças culturais e comportamentais — aparece de forma muito natural e orgânica, nunca com um intuito historiográfico explícito. Em um posfácio que escreveu quase 50 anos depois de terminar Maurice, Forster admite que o livro continha “anacronismos”. Então, era necessário manter esses anacronismos que o próprio autor reconhecia. Vez ou outra, eles precisaram ser contextualizados. Mas a opção foi sempre a de privilegiar a fluidez da leitura, sem criar muitas distrações com notas excessivas.

Como você lidou com o tom emocional e a sutileza dos diálogos entre Maurice e Alec? 

Estamos falando de um romance escrito no começo do século XX, a respeito de um tema tabu, considerado crime. Nesse ambiente extremamente repressivo, todos os gestos são codificados. Até um selo colado torto no envelope de uma carta pode ser considerado inadequado. Por mais emocionais ou íntimos, os diálogos dos personagens estão repletos de mensagens cifradas sobre a origem social e as intenções de cada um. Essas sutilezas às vezes não são fáceis de captar e ainda menos de traduzir. Pra não soar artificial, o tradutor nessas horas tem que recorrer à intuição.

Você se emocionou com algum trecho específico duranto o processo?

É difícil escolher um trecho. Mas acho muito tocante a despedida final de Maurice e Clive. E se não digo mais é para não dar spoiler. 

A nova tradução de Maurice nos convida a redescobrir a beleza e tensão desta obra, acompanhando os encontros e desencontros de Maurice, Clive e Alec na busca pelo amor em uma sociedade que não compreendia o relacionamento entre homens. Afinal, mais de um século  depois de ter sido escrito, Maurice ainda apresenta uma leitura inspiradora sobre coragem e esperança.

Deixe um comentário