Hermafrodita
“Hermaphrodite” é um poema da escritora francesa Marguerite Yourcenar, publicado no livro Les Charités d’Alcippe (Gallimard, 1964). Trata-se de uma écfrase, um poema que descreve outra obra de arte. No caso, a obra descrita é a estátua “Hermafrodita dormindo”, do acervo do Museu do Louvre, também referenciada em A menina que não fui, de Han Ryner. Assim como nesse romance, as características andróginas da estátua inspiram desejos e corpos que confrontam a binaridade de gênero. Esta tradução foi feita para ser recitada no lançamento do livro A menina que não fui, de Han Ryner, na Livraria Jenipapo, em Belo Horizonte.
Hermafrodita
Marguerite Yourcenar
Tradução: Caio Emídio
Único arremate e dupla volúpia,
Sua delícia imóvel no centro das coisas;
Sexos, alma e carne, efeitos breves, longas causas,
O múltiplo móvel se fixa na unidade
Nesta fragmentação que é a realidade,
Os seres separados nele se recompõem;
O doce monstro perfeito deita sobre as rosas;
O desejo é escultor e o prazer esculpido.
A boaventura se resume na sua carne lisa e dura;
O belo mármore alongado é só um beijo que dura;
Sete notas em união misturaram dois acordes.
E fechando seus olhos de penumbra e chama,
No tenro abandono de um deus que seria dama,
Ele propõe ao desejo o enigma de seu corpo.
Hermaphrodite
Marguerite Yourcenar
Unique achèvement et double volupté,
Son délice immobile est au centre des choses;
Sexes, esprit et chair, effets brefs, longues causes,
Le multiple mouvant se fixe en l’unité.
Dans ce morcellement qu’est la réalité,
Les êtres séparés en lui se recomposent;
Le doux monstre parfait s’est couché sur les roses;
Le désir est sculpteur et le plaisir sculpté.
Le bonheur se résume en sa chair lisse et dure;
Le beau marbre allongé n’est qu’un baiser qui dure;
Sept notes s’unissant ont mêlé deux accords.
Et refermant ses yeux de pénombre et de flamme,
Dans le tendre abandon d’un dieu qui serait femme,
Il propose au désir l’énigme de son corps.
O próximo poema foi escrito concomitantemente à leitura do romance, e por ela inspirado. Aqui, tenciona-se a possibilidade de uma identidade que ultrapassa o binário e a cristalização social e psicológica das estruturas de gênero.
Pedra angular
Como se toda pedra atirada num muro
tivesse que cair de algum lado
como se toda pedra lançada às estrelas
acabasse no outro fim da parábola
como se uma pedra que voa no ar
não pudesse esconder nenhum percevejo
assim se apresenta
a pedra angular
da curva de nossos
monstruosos corpos
intangível no meio
de tanto cimento
Deixe um comentário
Você precisa fazer o login para publicar um comentário.