“O homem-formiga”: resenha da obra por Thiago Felippe
Em 1901, o escritor francês Han Ryner publicou o livro O homem-formiga. Embora tenha sido lançado há mais de um século, a história conta com temas extremamente relevantes para a atualidade, apresentando uma narrativa que propõe uma discussão sobre as estruturas sociais da liberdade e suas tensões em relação à obediência coletiva.
Leia abaixo a resenha de Thiago Felippe (@thiago.bookgram) e descubra mais sobre esta obra singular.
Resenha de O homem-formiga
“Publicado no Brasil pela Editora Ercolano, O homem-formiga, do francês Han Ryner é um livro que vai fazer você refletir bastante.

O livro, de forte cunho filosófico, pode ser lido como uma fábula anarquista. A sociedade das formigas é um espelho distorcido e satírico da sociedade humana: ali, a obediência cega, a submissão à Rainha, a ausência de liberdade e a anulação do pensamento crítico se tornam ferramentas para provocar o leitor. Ao longo da obra, o protagonista — um espírito inquieto e racional — se vê em conflito constante com o comportamento automático da colônia. Há aqui ecos do existencialismo, mas também um olhar agudo sobre a decadência dos sistemas de autoridade.
O paralelo com A metamorfose, publicada mais de uma década depois (em 1915), é inevitável, mas enquanto Kafka se concentra na alienação social e na culpa familiar, Ryner parece mais interessado em fazer da fábula um veículo político e filosófico. Se Gregor Samsa é vencido pela própria condição, o homem-formiga de Ryner se recusa a abandonar sua consciência — e é justamente isso que o condena.
No campo das teorias de gênero, o romance surpreende: ao retratar a organização da sociedade das formigas — um matriarcado rígido, com fêmeas dominando e machos relegados à insignificância ou à morte após o acasalamento —, Ryner lança olhares sutis (e, para a época, bastante avançados) sobre papéis de gênero, dominação sexual e reprodução social. A ‘Rainha’ é tanto símbolo de poder quanto de aprisionamento, e a tensão entre instinto e consciência abre espaço para reflexões que dialogam com os estudos contemporâneos sobre performatividade de gênero e hierarquias impostas biologicamente.
O homem-formiga é, enfim, uma leitura rara e provocativa, que transforma o microscópico em espelho do macrocosmo humano. Um libelo em defesa do pensamento individual, da liberdade e da desobediência. E, sobretudo, um lembrete de que, mesmo quando tudo à volta grita conformismo, ainda é possível pensar diferente — mesmo que se esteja no corpo de uma formiga.”
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