Resenha de Rachilde sobre “A Menina que não fui” para Mercure de France
Rachilde, escritora também prolífica e autora de romances originais sob o pseudônimo de Marguerite Eymery (1860-1953), é conhecida por seus pontos de vista originais sobre feminismo e sexualidade. Em sua prosa inovadora e mordaz, a mulher é protagonista. Suas (anti-)heroínas deixam os homens perplexos com suas maneiras de lidarem — e de absorverem, ironicamente, — estereótipos masculinos. (Aliás, a Ercolano publicará no ano que vem alguns romances dessa escritora pouco traduzida em português.)
A respeito de La Fille manquée, ela tece críticas um tanto ou quanto irônicas à verossimilhança do enredo. Faz, ainda, certas insinuações sobre o personagem François e o próprio Ryner. Sua conclusão é semelhante à de Gourmont: um caso clínico. Tudo que sai da cabeça da “mulherzinha” remeteria à anormalidade. Assim como Gourmont, Rachilde considera desnecessárias as passagens sobre os “amores” e “carícias” de François, longas demais, segundo ela.
Rachilde, Mercure de France, n° 163, julho de 1903.
La Fille manquée, de Han Ryner.
Por pudor, o autor nos indica que essa história é um manuscrito de François de Taulane. Assim gostaríamos de acreditar. Então, por que ele não diz tudo e, sobretudo, a verdade sem exageros? Em um pensionato de jesuítas, vemos uma maricas que é a alegria de toda a classe, que faz todos os deveres dessa classe — com a mesma animação —, pedindo ao bedel que fosse se intrometer em outras questões que não essa, apesar de sua relativa importância. Ninguém trabalha. Os mestres e os alunos vivem em contínua promiscuidade. Só se faz isso. Que estranha instituição! Parece a escola de Claudine*, e é tão fantasiosa quanto, embora menos gentil. Oh! Os estudos sobre a moral e os costumes… sob o pretexto de um manuscrito encontrado na gaveta do morto! Esse maricas é um caso clínico, e tão somente isso.
Quanto às pessoas que o cercam, elas saem de seu cérebro de maricas. Não! Eu preferia O homem-formiga: era mais verdadeiro, mais vivenciado; nele, sentia-se uma humanidade, animal, ao passo que naquele lá, só se percebe humanidade anormal, além de ser uma leitura penosa.
*Claudine à l’école é um romance de Colette e Willy, publicado em 1900.
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