Os (nem tão) infames “livros amarelos”


O Livro Amarelo
foi uma revista quinzenal e de curta duração — treze edições entre 1894 e 1897 — que marcou a história da imprensa e da literatura inglesa. O nome talvez se deva à menção de certo “livro amarelo” no romance O Retrato de Dorian Gray (1891), de Oscar Wilde:
Seu olhar se voltou ao livro amarelo que Lord Henry lhe enviara. “O que era aquilo?” — pensou. Foi em direção ao pequeno suporte octogonal de cor perolada que sempre havia olhado para ele como a obra de certas estranhas abelhas egípcias que carpintavam na prata e pegou o volume. Ele se jogou em uma poltrona e se pôs a virar as páginas. Depois de alguns minutos, ficou absorto. Era o livro mais estranho que jamais lera. Pareceu-lhe que, em refinado adorno e ao delicado som das flautas, os pecados do mundo estavam passando em mudo espetáculo diante dele. Coisas que havia sonhado à meia-luz, de repente se tornavam reais para ele. Coisas com as quais ele jamais sonhara se revelavam gradativamente.(1)
Neste trecho talvez se trate, ainda, de uma referência a um romance francês pelo qual tinha apreço particular: Às avessas (1884), de J.-K. Huysmans, traduzido para o português pelo insuperável José Paulo Paes. Às avessas define um marco não só para a literatura decadentista, mas também para a história da literatura europeia ao questionar a proposta naturalista de Zola e ao propor novos horizontes estéticos, tanto para a literatura como para as artes em geral. Em virtude de seu conteúdo, acusado de ser “decadente”, o volume era embalado nas livrarias com papel amarelo, uma espécie de advertência para o leitor prestes a folhear algo alegadamente perverso. Outro romance pelo qual Wilde tinha grande apreço é Senhor Vênus, de Rachilde, que será nossa publicação de agosto, e que também foi publicado pela primeira vez em 1884, como Às avessas.
O próprio Wilde, inclusive, confessou que Senhor Vênus foi uma influência importante para seu Dorian Gray (como observa Melanie Hawthorne, em seu artigo “Rachilde and the French Women’s Authorpship”. Lincoln: University of Nebraska Press, 2001, p.99).
No entanto, o Yellow Book não era um símbolo de literatura perversa, pois ali não havia tantos textos “imorais” assim. Muitos, inclusive, tinham certo aspecto conservador no que diz respeito à moral, a tal ponto que, na ocasião do primeiro número do Yellow Book, Oscar Wilde afirmou que este não era “yellow at all” [de todo amarelo]. A propósito, segundo reza a lenda, ao ser capturado pela polícia, Oscar Wilde foi levado à prisão carregando um livro amarelo consigo. Nosso romance Lord Lyllian, no qual Oscar Wilde é retratado pelo nome bastante transparente de Harold Skilde, o capítulo que contém a carta escrita por Skilde a Lyllian[/Lord Alfred Douglas?] revela o sofrido período em que viveu no cárcere.
Então o que eram exatamente esses livros amarelos que ficaram para a história? Além de conter contribuições de diferentes gêneros literários de autores como W.B. Yeats, H.G. Wells, Henry James e Max Beerbohm, eles contavam com ilustrações, retratos e reproduções de obras de arte. Essas contribuições eram distintas e independentes entre si, ou seja, as ilustrações não tinham relação direta com o conteúdo dos contos, ensaios e poemas.
Os editores eram Elkin Mathews e John Lane; este tomou as rédeas do projeto após a dissolução da parceria no primeiro ano. Entre seus colaboradores, figuram nomes como Henry James, “Baron Corvo”, H.G. Wells e Max Beerbohm, que escreveu uma “Defesa dos Cosméticos”. Os textos publicados já indicavam ecos baudelairianos na Inglaterra vitoriana e apontavam para novos caminhos na literatura e nas artes. O Livro Amarelo continha não apenas as famosas ilustrações de Beardsley, que editou o conteúdo de arte durante o primeiro ano, mas também poemas, ensaios e ilustrações. O conteúdo literário começou sendo editado por Henry Harland, junto a Ella D’Arcy e Ethel Colburn Mayne. O Livro Amarelo se distinguia de outras publicações do período vitoriano com a vividez do amarelo e a encadernação de linho da capa bem como o formato quadrado e a tipografia fora de moda (Caslon), assim lembrando mais um livro do que um jornal, propriamente dito. No prospecto da primeira edição, lia-se:
“[…] como um livro em formato, um livro em essência, um livro bonito de ver e de cômoda manipulação; um livro com estilo, um livro com acabamento; um livro que todo amante de livros amará à primeira vista; um livro que fará muitas pessoas, que hoje são indiferentes aos livros, se tornarem aficionados de livros.”(2)
A diagramação posicionava os títulos dos textos de maneira assimétrica. As margens foram elaboradas com decorações e amplos espaços em brancos, encabeçadas pela Swan Electric Engraving Company (que também assinou os semitons fotográficos da arte de cor da revista) e por Carl Hentschel, cujos desenhos foram reproduzidos em gravuras.
A Yellow Book Digital Edition é um projeto editorial de Lorraine Janzen Kooistra e de Dennis Denisoff, realizado entre 2011 e 2014. Como base foram utilizados os arquivos de cópias físicas pertencentes aos Arquivos da Biblioteca e Coleções Especiais da Universidade Metropolitana de Toronto, com material suplementar dos arquivos da Coleção Mark Samuels Lasner e da Universidade de Delaware (Biblioteca, Museu e Imprensa). Os volumes fac-símile do Livro Amarelo foram providenciados em formato de livro folheável no Internet Archive das cópias digitalizadas pelas bibliotecas digitalizadas pela Universidade de Toronto.
Não deixe de olhar nossas duas publicações de Jacques d’Adelswärd-Fersen — O Beijo de Narciso e Lord Lyllian: missas negras. O projeto gráfico de ambos, em capa dura amarela, foi pensado tendo como referência o Yellow Book. O leitor acha que são obras moralmente censuráveis ou que talvez não sejam, parafraseando Oscar Wilde, tão amarelos assim?
Clique aqui para acessar links aos diferentes meios de ler gratuitamente (em inglês) todos os volumes (1-13).
Referências:
(1)WILDE, Oscar. The Portrait of Dorian Gray. Lippincott, Filadélfia, 1890, pp. 63-64. Disponível em: https://en.wikisource.org/wiki/Lippincott%27s_Monthly_Magazine/Volume_46/July_1890/The_Picture_of_Dorian_Gray/Chapter_8 (consultado em 27 de julho de 2024). Tradução livre.
(2)“[…] as a book in form, a book in substance; a book beautiful to see and convenient to handle; a book with style, a book with finish; a book that every book-lover will love at first sight; a book that will make book-lovers of many who are now indifferent to books.” (Tradução livre). Disponível em: https://www.ub.uni-heidelberg.de/helios/fachinfo/www/kunst/digilit/artjournals/yellow-book.html (consultado em 27 de julho de 2024).

Deixe um comentário