O Salão de 1879

Se Édouard Manet (1832-1883) é um pintor que já quis ser marinheiro, trazemos no post de hoje um escritor que desejava ser pintor. Trata-se de uma figura importante da literatura francesa, um artista paradoxal, que se fez moderno sendo antimoderno e que, parafraseando a ele próprio, pintava com palavras. Estamos falando do romancista e crítico de arte Charles-Marie-Georges Huysmans (1848-1907), conhecido como J.-K. Huysmans.

No trecho que apresentaremos a seguir, Huysmans realiza uma breve consideração das obras Jardim de inverno na estufa (Dans la serre, 1879) e Passeio de barco (En bateau, 1874), de Manet, expostas no Salão de 1879. Até 1865, ano em que apresentou Olympia (1863) e Jesus insultado pelos soldados (1865), causando escândalo perante a crítica conservadora, ele tinha sido sistematicamente rejeitado. Foi, assim, um pintor frequente no Salon des refusés [1], uma realidade que, mesmo não desejada pelo artista, foi um marco em sua carreira.

Conforme veremos, o olhar de Huysmans sobre Manet se mostra mais receptivo do que o apreço morno que Charles Baudelaire tinha conferido ao pintor. Ambos os quadros se revelaram como uma surpresa agradável e inovadora para Huysmans, que, exceto pelas obras de Manet, se entediou naquele Salão de 1879.

O Salão de 1879

Este ano, o senhor Manet teve duas de suas telas aceitas. Uma delas, intitulada Jardim de inverno na estufa, representa uma mulher sentada em um banco verde, ouvindo um senhor debruçado sobre o encosto do banco. Por todos os lados, grandes plantas e, à esquerda, flores vermelhas. A mulher, um pouco travada e pensativa, usa um vestido que parece ter sido feito com pinceladas fortes, a galope, — sim, vão lá ver! — e que é de uma execução magnífica; o homem, sem chapéu, com investidas de luz que interagem com a testa, frisando cá e lá, encosta nas mãos que se furtam em alguns traços e segura um charuto. Repousando assim, abandonado à conversa, essa figura é bela, de verdade: ela flerta e vive. O ar circula, as figuras se destacam maravilhosamente do revestimento verde que as rodeia. Aí está uma obra moderna, muito atraente, uma luta travada e ganha contra o chavão automático que se aprendeu com a luz solar, jamais observada a partir do real.

H. O. Havemeyer Collection, Bequest of Mrs. H. O. Havemeyer, 1929
Crédito: H. O. Havemeyer Collection, Bequest of Mrs. H. O. Havemeyer, 1929

Igualmente curiosa é sua outra tela, Passeio de barco. A água muito azul ainda inflama muita gente. A água não tem aquele tom? Perdão, mas ela tem, sim, aquele tom em certos momentos, assim como, em outros, tem tons de verde e de cinza, como também tem reflexos de flor-de-viúva, de camurça e de ardósia, entre outros. Seria necessário, no entanto, decidir observar ao redor de si. E aí está, inclusive, um dos grandes erros dos pintores paisagistas contemporâneos, que, ao chegarem diante de um rio com uma fórmula previamente convencionada, não estabelecem entre o rio, o céu que se mira nele, o estado das margens que o beiram e a hora e a estação do ano no momento em que estão pintando, a concórdia forçada que a natureza sempre estabelece. O senhor Manet, graças a Deus!, jamais tomou conhecimento dessas ideias pré-concebidas, estupidamente mantidas nas escolas! Ele pinta, resumindo, a natureza tal como ela é e como a vê. Sua mulher, vestida de azul, sentada numa barca cortada pelo enquadramento como em certas gravuras japonesas, está bem acomodada, à plena luz, e ela se sobressai energicamente, bem como o canoeiro vestido de branco, por cima do azul cru da água. Poucos são os quadros como esses que, lamentavelmente!, encontramos nesse tedioso salão!

_____

[1] O Salon des refusés (Salão dos Recusados), um marco para a pintura moderna, foi uma exposição de arte realizada em 1863 na cidade de Paris por ordem de Napoleão III para os artistas cujas obras foram recusadas pelo júri da Real Academia Francesa de Pintura e Escultura. Entre os expositores estavam Paul Cézanne, Camille Pissarro, Henri Fantin-Latour, Armand Guillaumin, Johan Jongkind, James Whistler e Édouard Manet, que ganhou destaque ao exibir o seu famoso quadro Le Déjeuner sur l’herbe, considerado uma escandalosa afronta ao padrão de gosto do seu tempo.

In: HUYSMANS, J.-K.; LOCMANT, Patrice (ed.). Écrits sur l’art 1867-1905. Paris: Bartillat, 2006, pp. 134-135.
Tradução Régis Mikail
Preparação Thiago Abércio

Imagem principal: Portrait de Georges-Charles-Marie dit Joris Karl Huysmans (1848-1907), Paul Cardon (dit Dornac ou Paul (ou Pol) Marsan) (Paris, 06–01–1858 – Paris, 10–01–1941), photographe

Deixe um comentário